dijous, de setembre 06, 2012

Divisão de riqueza com país empobrecido incentiva manifestações por independência na Catalunha (O Globo, Portugal)

Numa das regiões autônomas mais ricas do país, a Catalunha, os cortes do governo têm servido de combustível para outra mobilização. O movimento nacionalista catalão, cuja história moderna remonta a 1901, volta a ganhar força diante de um sistema de arrecadação solidária que repassa cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) da Catalunha a regiões mais pobres da Espanha. — No fundo, o problema econômico está escondendo um impasse político, uma questão de encaixe da Catalunha na Espanha, que cada vez tem menos futuro — diz Joan Rossinyol, responsável pela sucursal de Madri do jornal catalão “ARA”. Ao mesmo tempo em que pede um resgate financeiro a Madri para garantir o pagamento a servidores públicos — assim como o fizeram Valência e Múrcia —, a Generalitat (governo regional catalão) enviou ao governo central uma proposta de mudança no sistema de arrecadação de impostos, similar ao que já ocorre em Navarra e no País Basco. Entretanto, a proposta, que implicaria uma mudança constitucional, não conta com o apoio do Partido Socialista, assim como do Partido Popular. O provável veto do governo à mudança deve acirrar ainda mais a tensão entre Madri e Catalunha. Em 2006, o Parlamento catalão aprovou um estatuto de autonomia mais ambicioso para regular as relações econômicas com o governo central, mas a maioria das medidas foi rejeitada. — A população está muito consciente de que essa é uma última aposta. Se Madri aceitar o novo pacto, a Catalunha estará acomodada dentro da Espanha. Mas, se o governo central negar, pode haver o que chamamos de “choque de trens”, e levar a Catalunha a um gesto político mais contundente, como a antecipação das eleições ou um referendo pela independência — prevê Rossinyol. Segundo pesquisa recente do Centre d’Étudis d’Opinió da Generalitat, 51,1% dos catalães votariam pela independência da Espanha em um referendo hipotético, num aumento de seis pontos percentuais em relação ao último levantamento. Enquanto isso, o grupo dos que se opõem à soberania continua a diminuir, e representa agora 21% da população. Até setembro estão previstos mais de 200 protestos a favor da independência na Catalunha, numa mobilização que terá como marco o dia 11 do mesmo mês, quando se comemora a tomada de Barcelona das mãos da coroa espanhola em 1714. Segundo Nicholas Siegel, analista do German Marshall Fund, o plano da Assembleia Nacional Catalã é organizar um referendo para mudar o status da região no próximo ano, e então proclamar independência em 2014. — Há um problema de falta de cálculos em Madri. A impressão é que há momentos em que o governo central sabe muito bem o que está acontecendo na Catalunha, e há outros em que parece não entender absolutamente nada — pondera o catalão Carles Boix, professor de economia política na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. — É um debate eterno, que nunca se resolveu bem, e que nestes momentos de crise se agrava. O peso econômico da Catalunha, que representa um quarto da riqueza espanhola, é justamente o que está freando o acordo econômico. Hoje com uma dívida de € 42 bilhões, a Generalitat defende que um melhor financiamento da região acabaria, na verdade, sendo positivo para o país. — Um sistema de financiamento de comunidades autônomas sem a participação de uma das maiores regiões teria que ser repensado — alerta o economista César Cantalapiedra, analista da Escola de Finanças Aplicadas (AFI), em Madri. — O modelo de financiamento espanhol já está em crise. Símbolo da diversidade cultural da Espanha, o sistema de autonomias tem origem no século XVII, quando os reinos da Península Ibérica, liderados pelo Reino de Castela, se uniram para conter a expansão árabe no território, no embrião do que se tornaria o Estado espanhol. Os reis de Leão, Navarra e Aragão, portanto, mantinham a identidade política e cultural, mas partilhavam sua soberania com os monarcas de Castela. O sistema conhecido hoje nasceu na Constituição de 1978 para conter os movimentos nacionalistas catalão e basco após 36 anos de ditadura franquista. O modelo estendeu-se a outras 15 regiões e vinculou autonomia e democracia, em contraponto a centralismo e franquismo. Porém, na Catalunha e no País Basco, nações com história, cultura, língua e instituições próprias, movimentos separatistas continuaram, e ganham força em alguns momentos.